segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

NOSSA INFÂNCIA II

Minha irmã, Lourdes Figueiredo continua seu depoimento sobre a nossa infância, que transcrevo abaixo:
"Não tínhamos nem rádio nem televisão nem telefone.Mas tínhamos uma coisa que hoje é difícil de ter. Convivência com os vizinhos, brincadeiras inventadas.Bolinhas de gude para os meninos. Paulo tinha bolinhas de vidro de todos os tamanhos e de todas as cores. Lindas, de fazer inveja. Pião, que jogava com Geraldo, apostando para ver quem ganhava.As meninas jogavam bilboquê e, mais tarde, veio o campeonato de ioiô.O bom mesmo era brincar de roda...Cantávamos, formando roda com tantas crianças de mãos dadas que ia de um lado ao  outro da rua. Todas as crianças vizinhas participavam..Cantávamos a plenos pulmões, com voz esganiçada:“Põe aqui, põe aqui, o teu pezinho, o teu pezinho, põe aqui, põe aqui bem junto ao meu, bem junto ao meu. Ao tirar ao tirar o teu pezinho, o teu pezinho, um abraço, um abraço dou te eu, dou-te eu. Olha a rolinha, doce, doce, caiu no laço, doce, doce, embaraçou-se, doce, doce no nosso amor.”“Pai Francisco entrou na roda ...tocando seu violão...Blim, bão..bão”Papai ficava da janela olhando a roda. Comentava com mamãe: -“Que menina é aquela?”“Não sei, deve ser da vizinha.”A vizinha tinha se mudado naquele dia e a menina já estava brincando conosco. Chamava-se Mara. Mara tinha mais duas irmãs, Ophir e Belquis. Fui eu que fiz o contato.- “Como você se chama?- Quantos anos tem?-Quer brincar de roda?” O pai delas era um escritor de historias mineiras, Agripa Vasconcelos..Escreveu sobre Chica da Silva, Dona Beja e sobre Joaquina do Pompéu.
Esta nova amiguinha ,Mara, mais tarde foi cantora de radio com grande sucesso.Estreiou lá em casa, cantando no atijolado: -“Tamborete cama e mesa ...cadeira de balançar ..Quem não tem dinheiro é pobre, abre a boca.. e vai babar...”Tomava  parte nas rodas e nos teatro nos  dias de aniversários.Os espetáculos  eram apresentados no quintal, perto do galinheiro. Convidávamos os adultos para assistirem e pagarem o ingresso.Com o dinheiro do ingresso comprávamos balas coloridas de todas as cores, mas sempre com o mesmo sabor: tinham todas gosto de açúcar.Certa vez fizemos um circo. Os palhaços eram os dois Paulos: Paulo nosso irmão e o Pulico,  filho de Chloris e Janinho, primos de mamãe.A encenação era a seguinte: um menino, com a cara pintada, levava um recado para comprar um remédio numa farmácia. Para não se esquecer, ia cantando o nome do remédio no refrão da publicidade: “Cafiaspirina Bayer, Cafiaspirina Bayer...”. Parava em cada esquina para ver outros meninos brincando,  as revistas de uma banca de jornais, etc, sempre cantarolando o nome do remédio. Em dado momento esqueceu da letra e só cantarolava a música: “lá, lá, lá, ri, lá, lá, lá. Lá, lá, lá, ri, lá, lá.” Quando chegou na farmácia cantou apenas a música, supondo que o farmacêutico seria capaz de adivinhar o pedido. A criançada rolava de rir. O outro palhaço, menorzinho, tinha de cantar uma canção, mas se esqueceu e começou a chorar a plenos pulmões.A prima Lulude, lindinha, vestida de bailarina, andava com uma sombrinha numa corda esticada entre a mangueira e a jabuticabeira.Eu fazia as apresentações dos números, lendo o repertorio escrito num papel grande, todo desenhado por Helena.Marco Antônio pulava carniça, junto com Geraldo. Mara e a irmã cantavam fantasiadas ,e assim terminava a curta temporada. O circo não chegou a ter um nome, nem lona. Funcionava  ao ar livre e ao preço de um tostão. As mangueiras cheias de mangas, as jabuticabeiras todas floridas, e o galinheiro, ao  fundo, compunham o cenário. A imaginação completava.Éramos aplaudidos pelos pais, tios e tias que nos incentivavam.O grande sucesso era Nedda,  que já aprendera a declamar.Além de ser muito bonita,  tinha uma grande expressão para recitar,  sob aplausos. Por que passou de moda a declamação?
Uma declamadora portuguesa de grande sucesso deu um recital em Belo Horizonte.Foi  na Cultura Inglesa,  e fomos convidados. Helena, Paulo e eu ficamos na primeira fila, ansiosos pelo espetáculo. Mas, a declamadora não chegava. Já estávamos impacientes e se esboçava a vontade de ir embora.Mais ou menos uma hora depois do horário marcado, chegou a artista que, para compensar o atraso, optou por uma entrada triunfal.
Deu um salto no meio do palco, e muito gorda, parou repentinamente no meio, balançando as mãos e exclamando: “-Sinos de Belém, blem,blem,blem...Sinos do Bomfim, blim, blim, blim. Era uma poesia de Manuel Ba ndeira, com a reprodução do som dos sinos. Foi uma surpresa tão grande, aquela mulher gordíssima, de vestido rodado  e cabelos soltos, gritando inesperadamente “sinos de Belém”, que Paulo teve um acesso de riso. Não conseguia parar de rir. Ria e soluçava, fazendo força para parar.Eu e Helena também não conseguíamos reprimir o riso. Como estávamos na primeira fila era difícil não sermos notados.Pensava em todas as coisas tristes, para ver se parava, mas não conseguia. Tivemos de sair e deixar para trás o recital da tão famosa declamadora portuguesa..."

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