quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

MEMÓRIAS DO COLÉGIO SACRÉ COEUR DE MARIE

Na década de 30 ingressei no Colégio “Sacré Coeur de Marie”, situado em Belo Horizonte (Rua do Chumbo, atualmente Rua Professor Estevão Pinto). Construído em arquitetura Art Decó, o colégio possuía escadarias, corredores e pátios enormes que  abrigavam  centenas de jovens da sociedade belorizontina. Naquela época a língua francesa era ensinada e durante as aulas teríamos de chamar a diretora de Notre Mére e as professoras de Madame (soube depois que o colégio teve origem na França). Alguns nomes ainda guardo na memória. Madame Crucifixo, Madame Bom Pastor, Mére Fintom. Aquelas freiras, vestidas com hábitos  escuros, nos davam uma formação católica e nos preparavam para sermos professoras. Sairíamos de lá como normalistas.Fui matriculada junto com minha irmã Lourdes. Meus pais achavam que as duas na mesma classe poderiam estudar nos mesmos livros e isto facilitaria os trabalhos familiares. Juntas nos aprontávamos para o colégio, vestindo uniforme azul marinho, gravata, blusa branca, uma enorme capa  para os dias de frio e um chapéu de aba larga, também azul. Vistas de longe, em conjunto, aquele bando de meninas pareciam fantasiadas como os três mosqueteiros.Descíamos a Avenida Afonso Pena para tomar o bonde especial num abrigo situado na confluência da Avenida Afonso Pena com a Getúlio Vargas (naquela época Avenida Paraúna). Nos dias de chuva ficávamos observando os achados e perdidos da praça – carteiras de estudante, fotos. Um dia encontrei meu retrato preso por detrás de vidros e foi difícil retira-lo.Junto dele estava escrito: Quem é a dona deste olhar sublime?Belo Horizonte, naquela época, tinha o bonde como principal transporte. Os bondes deslizavam sobre trilhos paralelos, se entrecruzavam, subiam para a Serra e o Cruzeiro, desciam a Rua da Bahia, atravessavam as avenidas. Na Praça da Savassi também tinha um ponto de parada, um abrigo onde várias linhas se encontravam. Andar de bonde era uma diversão e eu gostava de sentar de frente para os bancos e observar a cara dos passageiros. Alguns dormiam durante o trajeto.Naquela época eu gostava de desenhar retratos de pessoas, de preferência  idosas, com características mais acentuadas. Era impossível desenhar no bonde, mas eu me divertia lendo os anúncios: “Veja ilustre passageiro, o belo tipo faceiro que o senhor tem a seu lado, e no entanto, acredite, quase morreu de bronquite, Salvou-o o Rum Creosotado”... Este Rum Creosotado foi lembrança marcante dos tempos do bonde. Lygia Clark foi minha colega de carteira nos primeiros dois anos de curso e enquanto eu desenhava artistas de cinema ela desenhava garotas de Alceu Pena. Desenhávamos sem parar em qualquer papel que aparecesse.Como ex-aluna, guardo do Colégio uma boa lembrança. Havia na época uma vontade de estar à frente do tempo e aplicar métodos novos no ensino da arte. As educadoras resolveram introduzir o desenho livre, fora dos cansativos ornatos e frisos. Chamaram uma aluna para servir de modelo para a turma.  A menina subiu no estrado, sentou-se numa cadeira, vestida com o uniforme do colégio. Fizemos croquis do natural, como nas Escolas de Belas Artes. No dia seguinte a irmã encarregada de arte me chamou em público. – Quem é Maria Helena de Salles Coelho? Levei o maior susto e, no primeiro momento, imaginei que ela ia me repreender por qualquer coisa. Fiz um exame de consciência. A Irmã estava falando que ia chamar meus pais e conversar com eles. Afinal, o que foi que eu fiz? A voz da Irmã me conduziu de surpresa em surpresa e subiu do negativo para o positivo. – Vou conversar com seus pais, você é uma artista! Fiquei sem saber o que falar e as colegas em coro responderam: artista de cinema? – Não, artista plástica, desenhista, disse a freira.Madame Finton era uma inglesa gorda, nossa professora de desenho e devo a ela a primeira iniciação de minha carreira artística.O incentivo às artes nos foi proporcionado também na formação musical . Reuníamos no grande pátio interno, cercado de arvores frondosas, e ali junto à natureza, as alunas cantavam  sob a regência de D. Angélica Garcia, o canto Gregoriano que seria cantado durante a missa. Aprendi a gostar do canto Gregoriano no Colégio Sacré Coeur. D. Angélica era professora de canto orfeônico e nos introduziu também à musica de Villa Lobos.. Cantando penetramos junto com este grande musico na magia da floresta brasileira.Do lado de fora,em cima do muro, varias cabeças formavam uma platéia.eram os adolescentes da época admiradores das cantoras.Entre eles estava o jovem Celso Renato que mais tarde se tornou um dos mais famosos pintores de Minas.

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