segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

MINHA INFÂNCIA

Da janela eu podia ver a rua. Morava na Avenida Afonso Pena, numa ladeira com alamedas de fícus bem no centro da rua. Nossa casa tinha árvores atrás, na rua Santa Rita Durão. As árvores da rua serviam para as crianças brincarem, quase sempre meninos pobres jogando pedrinhas.
Quase não saíamos de casa, papai tinha medo dos carros que passavam subindo a avenida. Brincávamos no quintal subindo nas mangueiras que foram plantadas para também dar sombra e aconchego à família. As mangueiras eram a nossa liberdade de subir e descer, dar saltos de galho em galho como Tarzan e Jane e ver de dentro do quintal os meninos brincando lá fora de carrinho de rolimã. 
Eram crianças pobres, mas se divertiam descendo ladeira abaixo naqueles carrinhos feitos com tábuas velhas e rodinhas de metal. Hoje as rodinhas fazem parte do nosso dia a dia, crianças usam malas com rodinhas para irem à escola, adultos conduzem toda a bagagem em cima de rodinhas, nos aeroportos só se vêm rodinhas e mais rodinhas. Realmente a roda foi a grande invenção. Há rodas de trem, rodas de máquinas, rodas de carros, rodas de avião.

Naquele momento as rodinhas desciam a ladeira fazendo barulho, depois subiam carregadas nos braços dos meninos.

“Ser menino leva vantagens”, pensava eu.
Papai nos prendia porque éramos meninas.
“Meninas, mas meninas dos meus olhos”, dizia ele.

Com essas limitações aprendemos a nos divertir dentro de casa ou no quintal, chupando manga, jabuticaba, romã, brincando de circo, teatro, marionetes. Fazíamos versinhos como os desafios nordestinos, caçoando dos mais velhos. Era, de certo modo, a nossa desconstrução de todo aquele aparato para nos prender.

Fazíamos teatro de sombras, esticando um lençol velho no porão e usando uma vela para dar movimento às figuras. Aquilo era também uma forma criativa de conquistar um poder sobre a autoridade repressiva dos mais velhos.

Tínhamos licença de brincar na rua Santa Rita Durão, do outro lado da casa, para brincar de roda com os primos que moravam em frente. Ali podíamos pesquisar no calçamento de pedras, pedacinhos de vidro colorido, que seriam mais tarde, transformados em caleidoscópios, feitos por meu irmão Paulo.

15 ANOS

Um temporal caiu sobre Belo Horizonte, justamente no dia do meu aniversário. Passei minha festa de 15 anos olhando pela janela, a chuva caindo lá fora. Gotas de água escorriam pela vidraça, pareciam lágrimas.

Eu havia convidado algumas amigas do colégio Sacre Coeur, mas com a chuva, ninguém compareceu. A enxurrada descia cobrindo o meio fio, nuvens pretas no céu anunciavam mais chuva. Na sala uma mesa de doces mostrava as aptidões culinárias de Dona Nair, minha mãe. Ela sabia fazer doces maravilhosos, cajuzinhos, doce de coco, amor em pedaços, coió.

Os doces amenizaram a minha tristeza, guardamos alguns para levar no dia seguinte para o colégio.
Este foi o meu aniversário de 15 anos: sem música, sem valsa, sem festa. A chuva levou meu aniversário.

*Fotos de arquivo e da internet


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